A ÚLTIMA GRANDE POLÊMICA 1923


A ÚLTIMA GRANDE POLÊMICA 1923

O ano de 1923 é marcado por uma polêmica que vai envolver não só protestantes, mas todos aqueles que não eram católicos. A construção de uma estátua do Cristo Redentor no morro do Corcovado. A forte reação dos protestantes começou antes mesmo da inauguração da estátua, ocorrida em 12 de outubro de 1931.

O Jornal Batista de 22 de março de 1923 estampava a seguinte manchete:

“Já está constituída a grande comissão para levar avante o plano de erigir no alto do Corcovado a imagem de Cristo. Isto será a um tempo um atestado eloquente de idolatria da igreja de Roma e uma afronta a Deus. No dia em que tal crime se consumar, bom seria que todos os verdadeiros cristãos no Brasil se reunissem em culto penitencial, para pedir a Deus que não imputasse a todo o Brasil esse grande pecado, cuja responsabilidade deve recair sobre a Igreja Católica e sobre os governantes que não souberam ou não quiseram fugir à armadilha, preparada por ela com a isca do patriotismo. Deus tenha misericórdia de nós”.[1]

A reação não era contra a figura de Jesus como redentor, mas o que era temido era a transformação daquele símbolo cristão em imagem de adoração, contrariando o segundo mandamento:

“Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes darás culto; porque eu sou o SENHOR, teu Deus, Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem e faço misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e guardam os meus mandamentos”.[2]

Os protestantes viam a construção da estátua como uma quebra do mandamento de Deus dado a Moisés.

A grande polêmica era a propósito do santuário e não da estátua do Cristo Redentor, subvencionada à construção pelo Estado, contrariando o Decreto 119-A[3] que proibia a intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em matéria religiosa, que consagrava a plena liberdade de cultos, extinguia o padroado e estabelecia outras providências.

Em 11 de setembro de 1923 o Deputado Federal Adolfo Bergamini, dizia na sessão do Conselho Municipal o seguinte: “os processos vergonhosos de arranjar dinheiro” para as obras do Cristo Redentor:

“Uma avalanche de senhoras, de moças, de raparigas e de homens […] vem á rua, de sacola em punho […] a mendigar, a pedir, a solicitar, por todos os lugares, nas calçadas, nas esquinas, nas casas comerciais, nas repartições públicas, nos bancos, por toda a parte, transformando a grande população do Rio de Janeiro num verdadeiro Cristo”.[4]

E não terminava aí a reação, em 13 de setembro de 1923, mais uma vez o Jornal Batista publicava:

“Os que tiveram a infeliz idéia de erigir o monumento a Cristo Redentor, não tiveram a intenção de honrar a Cristo, mas sim a de engrandecer o catolicismo romano, o paganismo. Se tivesse querido honrar a Cristo, procurariam erigir-lhe um monumento não no Corcovado, mas em cada coração. No coração é que Cristo quer reinar. Eles, porém, pretendem honrar a Cristo, desonrando-o, fazendo aquilo que ele terminantemente proibiu — fazendo-lhe uma imagem”.[5]

Que Cristo é esse que precisa de esmolas?

O Professor José Rodrigues Leite e Oiticica, no Correio da Manhã de 17 de abril de 1926, escreveu um artigo contra a construção do monumento, dizia ele: “Peço-lhes por quantos anjos há no céu que desistam da empresa começada […] Encarapitar uma estátua divina em um monte para nesse monte adorar Deus é duplamente contrariar o preceito do Eterno”.[6] Concordando, assim, com o princípio bíblico já mencionado, o segundo mandamento.

O grupo contrário à construção sugeria que o valor arrecadado deveria ser investido na construção de um hospital para crianças, pois havia falta de um na cidade. Dizia Adolfo Bergamini: “em vez de colocar Cristo no cume de um dos nossos morros para presidir, de lá, à miséria que vai cá por baixo, autorizem o Prefeito a gastar uma determinada importância com um hospital”.[7]

Inconformados com essa situação, em 16 de setembro de 1923 mais de seiscentos protestantes (metodistas, congregacionais, batistas e presbiterianos) se reuniram no Pavilhão Presbiteriano da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro para protestar contra a construção do monumento. Nesse encontro ficou resolvido: 1) Enviar telegramas e abaixo-assinados de protesto ao Conselho Municipal, ao Senado e à Presidência da República; 2) Agitar a opinião pública pela imprensa; 3) Solicitar a todas as igrejas, congregações e grupos de crentes que se congreguem em oração em favor da liberdade de consciência, seriamente ameaçada, e pedir a Deus que confunda os planos dos adversários; 4) Levantar o

maior número possível de assinaturas para subscrever o protesto a ser encaminhado às autoridades. Nesta reunião foi eleita a seguinte mesa diretora: Rev. Álvaro Reis, Presidente; Rev. Erasmo Braga, Vice-Presidente; Rev. Francisco A. Souza, 1º Secretário; Pr. Salomão Ginsburg, 2º secretário; e J. Souza Marques, Tesoureiro.

Em 22 de novembro foi entregue um abaixo assinado ao Presidente da República Federativa do Brasil, Artur da Silva Bernardes, no Palácio do Catete. O abaixo-assinado vinha da Igreja Batista de Alagoas, com 348 assinaturas; o da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá, MG, com 315 assinaturas; e o da Igreja Presbiteriana Independente de Curitiba, com 313 assinaturas, dentre

outros. Artur da Silva Bernardes abriu o envelope e leu: “Nós, abaixo assinados, vimos respeitosamente protestar, em nome da Lei de Deus no Decálogo e da Constituição Republicana, contra o atropelo da liberdade religiosa, com a apropriação indébita de dinheiro e logradouros públicos, para colocação de símbolos religiosos, como a estátua de Cristo no Corcovado, que fere a consciência de milhares de brasileiros”.[8]

Nosso Pastor, Rev. Álvaro Reis, escreveria, ainda, uma série de artigos nos jornais Correio de Manhã e no O Jornal.

Seja como for em 12 de outubro de 1931 a estátua era inaugurada com a presença do a Presidente Getúlio Dorneles Vargas e do Cardeal Dom Sebastião Leme da Silveira Cintra. O Rev. Álvaro Reis não estava mais entre nós.

Ao completar 75 anos, em 12 de outubro de 2006, o Cristo Redentor foi transformado em santuário católico do Brasil. O cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eusébio Oscar Scheid, disse que o local deixou de ser apenas ponto turístico e se tornou local de peregrinação. Casamentos e batizados também podem ocorrer aos pés da estátua, de 38 metros de altura.[9]

Prof. Nelson de Paula
Historiador
Coordenador do Centro de Documentação – CENDOC e
Diretor do Museu da Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro
nelsondepaula@iprj.org.br
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[1] Jornal Batista – 23 de março de 1923.

[2] Bíblia Sagrada – Êxodo 20. 4 a 6.

[3] BRASIL. Decretos do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, primeiro fascículo de 1 a 31 de janeiro de 1890. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1890, p. 10.

[5] Jornal Batista – 13.09.1923.

[6] Jornal Correio da Manhã – 17.04.1926.

[7] Citado em < http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/303/rio-de-janeiro-1923-a-forte-reacao-protestante-ao-cristo-redentor> Acesso em 01.07.2011.

[8] ibid.

[9] Jornal Folha de São Paulo online. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u126998.shtml> Acesso em 01.07.2011.

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